Passamos pela fase do desmonte do Estado. O “enxugamento” virou moda defendida por eminentes próceres do neoliberalismo e dentro das empresas privadas e estatais a ordem era demitir, aposentar, minimizar, quando muito estimulando os “colaboradores” com planos de incentivo à aposentadoria, os famosos PDVs (Plano de Demissão Voluntária). Sem critério técnico adequado as empresas perderam recursos humanos de extremo valor. Vimos, visitando concessionárias de grande porte no Brasil, abismados, o desligamento (aposentadoria intempestiva) de equipes inteiras de operação e manutenção.
A alienação de administradores onipotentes, escorados por acionistas sedentos por lucros (materiais, midiáticos, políticos) ou simplesmente alienados, desestruturou países e empresas. O caso do Estado da Flórida, nos EUA, é antológico (usando a anta em todos os seus significados). Os racionamentos entraram no cotidiano daquela unidade dos Estados Unidos da América do Norte, inibindo a onda privatizante norte americana e mostrando, para quem entende e pode enxergar o que significa esquecer o principal patrimônio de qualquer empresa, seus funcionários. Somando-se a má administração técnica ao desprezo pelas responsabilidades de uma empresa concessionária de serviços essenciais temos um potencial colossal de caos técnico e administrativo, prejuízos, acidentes...
A hostilização e a miopia continuaram a imperar, principalmente em países mais atrasados. Até o cafezinho transformou-se em vilão, o que importa é fazer programas ao gosto da mídia, a onda da moda.
Tivemos mais um apagão no Brasil, região Nordeste.
Quedas de energia são esperadas em áreas tão dependentes de poucas fontes de energia confiáveis.
O tempo de recomposição do sistema, contudo, pareceu-nos absurdo. Aliás, esse é um problema que mereceria auditorias internacionais com especialistas distantes de pressões políticas. Ver os paulistanos tanto tempo no escuro na última vez que ficaram sem energia é algo simplesmente inaceitável. Felizmente o Brasil tem na sua base, predominantemente, usinas hidrelétricas que não precisam dos imensos cuidados que uma usina termoelétrica de grande porte exige. A malha de transmissão já é grande e tudo isso deveria permitir, em poucos minutos, a normalização do atendimento a grandes grupos de consumidores.
Se ainda temos fragilidades de transmissão e transformação em torno dos grandes centros é algo que também merece investigação, mas já não é segredo, ou melhor, nunca foi. A falta de investimentos deve-se a quase três décadas perdidas no ajuste econômico e financeiro do Brasil
Supomos que os estados com agências reguladoras, secretarias de energia, universidades, Clubes de Engenharia, ONGs etc. devam ter acionado as autoridades federais em tempo hábil, ou não? A ociosidade remunerada e a simples omissão são uma praga nacional. Bons cargos são coisas que se aproveitam na praia, nos resorts, nas viagens internacionais... que país bonzinho!
Um agravante nesses momentos é a maneira como as explicações são dadas.
Se tivéssemos agora gente do padrão do eng. Aureliano Chaves certamente haveria a quem entrevistar e valer a pena ouvir. Quando vemos as reportagens feitas pelas grandes redes de TV ganhamos a convicção de que a boa Engenharia deu lugar para a demagogia, a ignorância técnica, os administradores pseudotécnicos e lideranças irresponsáveis. Como dizem besteiras!
No império da ignorância venceu a tese da redução de tarifas, simplesmente.
O desprezo pela Engenharia viabilizou soluções bonitas, mas equivocadas como, por exemplo, a excessiva concentração em órgãos federais da gestão operacional e de ampliação da oferta de energia e transmissão. A operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) precisa ser descentralizada. Algumas atribuições federais podem e devem ser regionalizadas.
E o Poder Judiciário?
Se possível a jurisprudência, o ritual de penalização das concessionárias precisa ser modificado para que os responsáveis paguem em poucos meses ao povo lesado e não a fundos difusos multas pesadas. O custo das indenizações é um indicador que pesa nas decisões dos acionistas e seus representantes nos conselhos de administração e direção das empresas.
Precisamos de tribunais técnicos e não, simplesmente, de tribunais de contas raramente preparados para analisar grandes empresas.
Mais um apagão em nossa história, que mais parece um pesadelo, mostrando que a criança cresce também no Nordeste. E suas calças estão rasgando, não foram trocadas a tempo.
Como exemplo de alienação a imagem do polo petroquímico de Aratu soltando fumaça, paralisado, sob riscos de explosões. As explicações que ouvimos demonstram, se verdadeiras, um tremendo descaso com a segurança daquele centro industrial.
Demorar horas para recompor o sistema e a ausência de fontes alternativas até em hospitais importantes ilustram a burrice ou irresponsabilidade dos seus administradores, ou mal uso de dinheiro. Empresas de água e esgoto não usam nem os seus gases para produzir energia elétrica para as suas necessidades. Os exemplos aparecem e assustam. São tão numerosos que podemos até querer sentir raiva de uma nação que aprendeu a aceitar e eleger maus governos, péssimos administradores e prioridades importadas. Afinal, vale tudo para agradar o chefe.
E daí? Nosso povo tem convivido com tantas tragédias que parece só querer descobrir qual será a próxima para ficar longe dela e não entrar para a lista dos flagelados.
Concluindo, sem querer demonstrar exaustivamente nossas teses (não é o caso nesse tipo de comunicação), o que vimos em todas as catástrofes e grandes acidentes é o resultado do desmonte de grandes empresas, da aplicação de lógicas irresponsáveis de administração e do desprezo pela boa Engenharia e seus profissionais.
Podemos terminar dizendo “quem semeia ventos colhe tempestades”.
Cascaes
5.2.2011
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