quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Surpresa positiva

O transporte coletivo urbano nem sempre é agradável, pior ainda em dia de chuva.
Quando precisamos usar ônibus podemos, eventualmente, sentir atitudes inconvenientes ou imperícia. Esse sentimento de desconforto se agrava com a idade. As mazelas da velhice são suficientes para deixar qualquer um razoavelmente irritado sem motivo externo. À medida que envelhecemos ganhamos algumas fragilidades, que nos preocupam e podem resultar em situações desconfortáveis para nós e para outras pessoas, que simplesmente nos acompanham num veículo. Usar o transporte coletivo é, portanto, um desafio, seja ele por terra, mar ou ar.
Por exemplo, um sistema que aos poucos se transforma em pesadelo é o aeroviário. Viajar de avião vai se tornando um teste de resistência física e psicológica.
Vamos, entretanto, relatar uma situação positiva, agradável e surpreendente.
Gostamos (eu) de “andar” de ônibus em Curitiba, mais ainda agora, com o passe livre para o idoso. Além das vantagens de um sistema inteligente, comparando com outras cidades, é bom e seus profissionais competentes. Obviamente existem exceções e quando as sentimos nem sempre reagimos de forma adequada.
Hoje, dia 14 de dezembro de 2010, mais do que outras vezes, fomos surpreendidos por uma série de atitudes e informações que nos empolgaram.
Chovendo forte e chegando ao ponto de embarque precisei (para não confundir, na primeira pessoa do singular) contornar por dentro o abrigo, imaginando que perderia o ônibus que chegava. Ledo engano. O motorista parou e teve paciência para me aguardar até embarcar. Ônibus em trânsito, precisava me recompor, assim parei no banco de entrada quando o cobrador simplesmente me deu um cartucho de plástico para colocar o guarda chuva dentro. Ufa! É um guarda chuva que trava com dificuldade (imaginem o “mico” de vê-lo abrir dentro do ônibus) e poderia molhar o piso do veículo, tornando-o escorregadio. Naturalmente fiquei surpreso com a cortesia e comecei a conversar com o cobrador Adriano (Mirante pela Cidadania).
Assim descobri que ele faz cofrinhos, que ele denomina “cofre forte”, à prova de tentativas de pesca de moedas e feito para estimular a economia. Contou que um amigo, a quem dera um para induzi-lo a fazer uma poupança, quando o abriu descobriu que tinha guardado R$ 1.700,00 de moeda a moeda. E o dispositivo que inventou suporta as tentativas de pegar as moedas; tem, por dentro, proteção para “desistências intempestivas”. O dinheiro guardado foi para o amigo do Adriano uma bela surpresa em tempo de Natal.
Segurança, inventou uma luva (par) elétrica. Assim garante um pouco mais sua vida no exercício desta segunda profissão.
Falou do filho que perdeu ao se separar da esposa e da tristeza de estar longe dele, da vontade de trazê-lo de volta. Comentava tudo com a dor da saudade, mas deixando transparecer a alegria de viver e lembrando que poderia ter escolhido outra vida, optou, contudo, pela honestidade e seriedade.
Adriano, cobrador de ônibus, serralheiro, segurança, pintor e inventor trabalha duro para se reerguer de um prejuízo passado. Religioso convicto, descansa aos sábados, dorme de madrugada e acorda cedo para dar conta do recado.
Não perdi tempo, vendo que ele seria um exemplo de dignidade e de criatividade, talvez até viabilizando-lhe uma oportunidade de trabalho melhor, pedi-lhe e ele me autorizou a “entrevistá-lo”, gravando a conversa com minha valente filmadora.
Ganhei assim uma entrevista de uma pessoa que serve de exemplo para milhões de brasileiros e mostra que todos podem e são capazes de fazer muito, querendo e trabalhando duro. Mais ainda, estava num ônibus bem dirigido, com profissionais capazes e corteses.
Vale o registro, não?

Cascaes
14.12.2010

Cascaes, J. C. (s.d.). Acesso em 11 de 12 de 2010, disponível em Mirante pela Cidadania: http://mirantepelacidadania.blogspot.com/

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