A liberdade e seu preço
Quem escreve precisa ler, ler muito, mesmo sem as facilidades dos jovens, visão perfeita, cabeça boa. Com a idade, enfrentando-a, não aceitando aposentadorias medíocres, tornamo-nos seletivos, talvez aí o grande perigo, podemos simplesmente procurar leituras que reforcem radicalismos pueris. Por outro lado, se aposentados, temos tempo para uma boa leitura, filmes especiais etc.
Com imenso prazer deleitei-me hoje com a leitura do artigo “A liberdade enriquece” (Magnoli, 2010). Diante das muitas formas de tentativa de reimplantação da censura no Brasil, o artigo em questão é perfeito e com citações importantíssimas. Já havia lido o livro “Uma gota de sangue” (Magnoli, 2009), simplesmente genial, agora vi referências a Rosa de Luxemburgo, de quem conheci mais detalhes lendo “Homens em tempos sombrios” (Arendt, 1991), uma mulher extraordinária que ousou contrariar os donos da verdade no início do século passado. Ainda neste livro merece destaque a biografia de Walter Benjamin, onde Hannah Arendt colocou as frases “...a habitual suspeição acadêmica em relação a tudo quanto não seja garantidamente medíocre” e na página seguinte (187) “...a única coisa que contava era a fidelidade ideológica, pois só a ideologia, e não o nível ou a qualidade, pode garantir a coesão do grupo.” Falar da Academia faz sentido diante da reverência brasileira diante de tudo que é adjetivado como tal.
A intolerância é uma tremenda doença comportamental.
Felizmente os ensinamentos de Sócrates (Rossellini, 1971) encontraram discípulos e para não repetir sua frase famosa prefiro lembrar o que disse Bertrand Russel “a certeza absoluta é, por si só, suficiente para impedir qualquer progresso mental naqueles que a possuem” (Russell, Princípios de Reconstrução Social, 1958).
Voltando ao Dr. Demétrio Magnoli seu artigo é extremamente importante em sua referência ao livro Areopagitica (Areopagitica) e à vida e obra política do seu autor John Milton (Barros, 2007), pois estamos num país onde a liberdade de expressão encontra-se em perigo. Notamos que a censura aumenta atingindo poderes que deveriam sustentá-la. É a praga da desonestidade, intolerância, do caudilhismo, fascismo e fundamentalismo que crescem no Mundo, num prólogo da Terceira Guerra Mundial.
Infelizmente todos chegam a momentos de desespero diante da morte e de suas fragilidades. Quando poderosos podem querer eternizar suas forças enfraquecendo os mais jovens, sentimos situações que um livro (Ferrero, 1945) publicado em 1940 no Brasil mostra de forma detalhada, falando da história europeia e com um título neutro, talvez para enganar os censores de Getúlio Vargas. Freud e Maquiavel explicam.
O que é trágico diante de tudo é passividade dos rebanhos, que se satisfazem tendo um bom pasto e pastores que as protejam...
É uma ilusão acreditar na inteligência humana, o mais razoável é a insistência em valores éticos que, mesmo sem compreender totalmente, aceitem por intuição ou, admitindo algo melhor, lembrando Bertrand Russell (otimistamente) que disse:
“O homem necessita, para a sua felicidade, não apenas de gozar disto ou daquilo, mas de ter esperança, realizar e mudar. Como Hobbes bem o diz, “a felicidade consiste em prosperar, não em haver prosperado”. Entre os filósofos modernos, o ideal de uma felicidade infindável, imutável, foi substituído pelo de evolução, no que se supõe haver um progresso ordenado rumo a um objetivo que jamais é atingido, ou que, pelo menos, até hoje não foi atingido. Tal mudança de perspectiva é, em parte, devida à substituição da dinâmica pela estática, a qual começou com Galileo, afetando cada vez mais, todo o pensamento moderno, quer científico, quer político” (Russell, 1954).
Um livro recente, A Vida do Espírito (Arendt, A Vida Do Espírito, 2009), é mais contundente:
“A ausência de pensamento é realmente um poderoso fator nos assuntos humanos, estatisticamente, é o mais poderoso deles, não apenas na conduta de muitos, mas também na conduta de todos. A premência, a a-scholia dos assuntos humanos, requer juízos provisórios, a confiança no hábito e no costume, isto é, nos preconceitos.”
Essa estática reflete-se no saudosismo, na reabilitação de paradigmas antigos e discursos ridículos de alguns líderes sul-americanos, para não falar do resto. Aliás, discursos tremendamente oportunistas, pois criaram legiões de fantoches e permitem a seus chefes governar por “Decreto Lei”.
Concluindo, foi um tremendo prazer poder ler mais esse artigo do Sociólogo Demétrio Magnoli e sua defesa da liberdade com exemplos que precisam ser conhecidos. Acima de tudo a liberdade enriquece o ser humano materialmente, politicamente e, principalmente, espiritualmente, a ausência dela, contudo, é o atalho para todo tipo de arbitrariedades, ditaduras, loucuras e finalmente as guerras e os campos de concentração. Felizmente no mundo moderno é mais difícil queimar livros e a internet veio para romper barreiras.
Cascaes
26.12.2010
Arendt, H. (1991). Homens em tempos sombrios. Lisboa, Portugal: Relógio d1Água.
Arendt, H. (2009). A Vida Do Espírito. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira.
Areopagitica. (s.d.). Acesso em 26 de 12 de 2010, disponível em Wikipedia, the free encyclopedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Areopagitica
Barros, A. R. (2007). Milton e o direito do povo na República. In: Cadernos de Ética e Filosofia Política - 11 (pp. 67-81). São Paulo.
Ferrero, G. (1945). O Poder, Os gênios invisíveis da cidade. (C. Domingues, Trad.) Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti - Editores.
Magnoli, D. (2009). Uma Gota de Sangue, História do Pensamento Racial. São Paulo: Contexto.
Magnoli, D. (22 de setembro de 2010). A liberdade enriquece. Veja, 80 e 81.
Rossellini, R. (Diretor). (1971). Sócrates [Filme Cinematográfico]. Itália: Versátil Home Vídeo.
Russell, B. (1954). Ensaios Impopulares. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
Russell, B. (1958). Princípios de Reconstrução Social. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
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