terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Ressaca

Quando o mar e a Terra brigam vemos as ressacas; com fúria as ondas chegam e o nível da bronca sobe. É um espetáculo da Natureza, que não se cansa de lembrar a nós todos que ela pode muito.
Passávamos as férias, sem meu pai que não se afastava de sua loja em Blumenau, no litoral catarinense. Lá, pior que as ressacas eram (e são) as tempestades, impressionantes e quase diárias (no verão). As chuvas, por sua vez, traziam as enchentes. Esse era um espetáculo assustador nos tempos em que não existiam celulares, serviços de meteorologia, satélites, internet etc.. Blumenau, na base de uma descida de quatrocentos metros, colhe o que a bacia do Rio Itajaí Açu recebe dos céus, não é pouco.
Temos, também, a ressaca das festas, essas raramente matam, mas chegam perto disso.
Festas religiosas, por exemplo, antigamente eram realizadas entre orações e meditações, jejuns e procissões, agora a coisa migrou para as lojas, bares e festas das quais saímos estropiados. Pior ainda, existe um entendimento de que todos precisam oferecer uma comemoração ou algo parecido, assim, caso máximo, as duas últimas semanas do ano são um teste de saúde física e mental. Sob o stress de músicas, que por alguma razão extraterrestre são tocadas sempre acima do razoável, saímos desses locais de suplício (exagerando) completamente desmontados, mais ainda quando, com a idade, “ganhamos de presente” as sequelas da vida (tinnitus, doenças cardíacas, isquemias etc.)
Nossos legisladores adoram fazer leis. Talvez a favor da saúde de todos valesse a pena criar uma ordem sequencial para festas, dividindo-as ao longo do ano, após acordo com autoridades eclesiásticas (dizem que somos uma nação católica) e criando limites comportamentais. Outra hipótese é investir em pesquisa e com a engenharia genética e outras coisas criar um segundo fígado e o que for necessário para suportarmos esse desafio. Dificilmente, contudo, voltaremos às práticas antigas, até porque as penitências e fogueiras doíam muito para quem não obedecesse.
O ano de 2010 termina também com a ressaca política. Tivemos campanha eleitoral, enchemos os ouvidos com acusações mútuas entre candidatos, perdemos, diante de tudo isso o diferencial da moralidade. Com o voto obrigatório escolhemos entre os piores, já que as acusações mal foram negadas. Alguns nem isso fizeram, venderam seus votos ou usaram critérios prosaicos, e assim temos um resultado que lembra a ressaca, a cabeça dói com o que fizemos. O corpo da Nação está machucado, parece que doente.
Felizmente as ressacas provocadas pelo ser humano são sequelas que se curam principalmente com palavras, com Educação; assim temos esperanças de, aos poucos, resistirmos e escolhermos melhor as bebidas e os candidatos. Quanto à Natureza, nas praias e em nosso corpo, ela manda.
Ressaca, como pesa, está difícil escrever mais.

Cascaes
18.12.2010

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