Vamos agora ver, ouvir e estudar programas de governo.
Sempre esperamos coerência, apesar dos inúmeros e contínuos blefes que até já consideramos coisas da “política”.
Um tema que preocupa é pensar de que forma nossos candidatos enxergam o futuro (realmente, sem pretender esquecer discursos).
Uma forma de se avaliar esses indivíduos, que pretendem mandar na gente, é conhecer suas vidas como administradores e suas propostas para os serviços essenciais.
Poderão desejar a continuidade do passado, por exemplo. Afinal os pensamentos de Jean Jacques Rousseau ainda agradam muita gente.
Em épocas do início da nossa geração sexagenária o Brasil era mais verde, mas uma ligação de telefone, quando possível, levava horas ou dias para ser completada (ligação galvânica, fio a fio) e custava uma fortuna, a água vinha do poço mais próximo e se andava a pé, com um pouco de luxo de carroça ou num Ford de bigode, viajava-se de vapor, jardineira ou com algum DC3 da Segunda Guerra Mundial. Os serviços, agora ditos essenciais, não o eram tão significativos. Em compensação a mortalidade era alta (mordida de cobra, malária, tifo, varíola, meningite, poliomielite, coice de cavalo, afogamento no rio etc.). Os adultos morriam de tiro mesmo ou com o “figo” caído e coisas assim. O Brasil olhava perplexo o desenvolvimento acelerado de nações mais ligadas à qualidade e confiabilidade de sua infraestrutura enquanto nos divertíamos com Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo (que saudades!) etc..
A infra-estrutura não é um fim em si, mas uma das condições básicas do crescimento, da robustez econômica e social.
Nisso tudo é justo entender, pois, pois, o atavismo e a despreocupação com a tecnologia, principalmente se os candidatos (mais velhos) tiveram pouco contato com ambientes industriais. Vimos (e sentimos), contudo, reportagens atuais sobre nossos portos e estradas, serviços de telefonia e energia, água e esgoto, lixo, saúde, segurança etc.. A confiabilidade é deplorável e, por exemplo, o maior ponto de exportação de açúcar do Brasil (Santos) chega a deixar navios graneleiros esperando mais de um mês. No Paraná o “silo caminhão” é ainda uma realidade e o pedágio um absurdo. Vivemos a fase da “privatização maravilha” e da “reestatização tímida” para agora perceber os engodos da ingenuidade.
Nossa tese de mestrado foi, em 1974, UFSC, “Critérios para load shedding”, ou seja, como montar um sistema de proteção contra desligamentos elétricos. Assim aprendemos muito sobre a importância da eletricidade para certas atividades industriais. Fomos coordenador de equipes que estudou a Região Sul, projetou e instalou as proteções (1973 a 1974) para perdas repentinas de geração de energia elétrica assim como do seu desempenho eletromecânico. A FAFEN, fábrica de fertilizantes da Petrobrás à época, era uma referência aqui no sul do Brasil, tinha 3 fontes de alimentação independentes para evitar interrupções, que, se acontecessem por mais de 2 segundos custavam 3 dias de produção.
Eram tempos de grande crescimento. As estatais também investiam na gente. Assim pudemos voltar a estudar (1972) e fazer mestrado por conta da Copel, três anos depois de estar trabalhando em ensaios e comissionamento de subestações e usinas da própria empresa.
Já muitos anos, algumas décadas depois, fora da Copel, visitamos uma montadora instalada na RMC. Lá nos disseram que naqueles dias haviam tido um prejuízo de centenas de milhares de dólares graças a afundamentos de tensão, os robôs endoidaram...
Em casa vimos com pesar os peixinhos (aquários) morrerem por uma doença que adquiriram com a água da concessionária (e nós como ficamos?) e a necessidade de usar “no breaks” para não perder mais uma vez a placa do PC. Ficar sem energia elétrica pesa muito, pois até os serviços de água e esgoto param e voltam, após o desligamento, limpando os canos.
O silêncio em torno da qualidade e confiabilidade é preocupante. Não foi sem perplexidade que vimos o último grande apagão sumir dos noticiários. Simplesmente é inconcebível deixar São e Rio de Janeiro durante horas no escuro. Isso sem falar do inacreditável racionamento de 2001.
Usando o transporte coletivo urbano vemos pessoas idosas e/ou com problemas motores descendo uma autêntica ladeira para chegarem em calçadas esburacadas, ou seja, um equipamento ruim a um serviço essencial com layout errado (não tem piso rebaixado) e cidades mal cuidadas.
Restringindo a conversa aos serviços essenciais devemos lembrar que investidores calculam custos antes de construir suas fábricas ou grandes empresas comerciais. A qualidade e confiabilidade da energia, água, transportes, acessibilidade, segurança etc. somam-se às máquinas e prédios necessários às suas empresas, viabilizando ou não os empreendimentos ou, simplesmente, aumentando custos para os clientes.
A má qualidade de serviços públicos afeta até os queridos computadores que as secretarias de educação instalam em suas escolas. Queimam, perdem softwares, são roubados ou vandalizados se outras atividades sob concessão ou responsabilidade direta do estado (município, estado e/ou União) forem mal feitos.
E o Brasil é um país de dimensões continentais. Tudo encarece com a rarefação, as distâncias, a diversidade ambiental. Não é simples nem barato atender bem nosso povo.
Cuidando mal de serviços inevitáveis, básicos, geramos pobreza. Descuidamos dos mais pobres, criamos situações de risco e pauperização. Degradamos, assim, até nossos indicadores sociais.
Nos serviços essenciais, estratégicos, mas que dão mídia, alguns governantes preferiram forçar a redução de tarifas e salários, mantendo margens absurdas de cobrança de impostos. Dessa maneira as faturas que recebemos deveriam ter o logotipo da Secretaria e/ou Ministério da Fazenda e não da concessionária, simples repassadora de impostos, com uma fração para se manter e investir (com algumas exceções vexatórias).
Precisamos, portanto, pensar e propor com firmeza indicadores técnicos e sociais desafiadores e rediscutir com o máximo de inteligência a política fiscal. O Brasil está muito atrás de qualquer país considerado de grande porte, precisamos avançar, não apenas em direção ao fundo do mar procurando petróleo. Chega de falar apenas de tarifas e redução de custos, queremos ouvir discursos em torno de eficiência, de melhores padrões, de bons serviços de internet, telefonia, transporte, segurança, educação, saúde, energia, água e esgoto, lixo e até cemitérios. Basta, vamos parar com pedágios absurdos e taxas inúteis. Precisamos evitar concessões em serviços que não demandem esse tipo de contrato leonino. A fiscalização precisa ser aprimorada, agências reguladoras bem equipadas e vigiadas, ... e, bom senso. Em Curitiba conseguiram a proeza de transformar em concessionárias até as empresas funerárias.
Se feitos com honestidade e competência, os serviços essenciais não custarão tão caro e os resultados compensarão.
A questão é: nossos candidatos estão preparados para falar de infraestrutura e todos os desafios inerentes ao cargo pretendido? Quais são os compromissos, as propostas? Em quem acreditar? Alguns têm histórias ruins...
Cascaes
24.7.2010
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