domingo, 27 de março de 2011

Calçadas mortas

Calçadas mortas
Algo fascinante quando visitamos determinadas cidades no Brasil e no exterior é descobrir lugares externos onde se pode caminhar com segurança e o prazer de, ao ar livre, ver o mar, algum rio, monumentos, praças, lojas ou simplesmente a praia.
Em Santa Catarina, lugar para onde vão milhares de paranaenses, se não forem centenas de milhares, sempre que podem, a desculpa é a praia. Seria mesmo a praia?
O que perdemos em Curitiba, ou nunca existiu?
Gostaríamos imensamente de não sermos obrigados a andar dentro de shoppings ou restritos a alguns parques durante o dia. Seria ótimo se com segurança, sem medo de tropeçar, escorregar, ser atropelado, assaltado etc. pudéssemos caminhar pela Rua das Flores, ou Rua Quinze de Novembro, de dia ou de noite, simplesmente olhando para vitrines de lojas que já existiram naquela via.
Diz a Constituição que temos o direito de ir e vir, que mentira!
Podemos tudo se tivermos guardas costas, se gozarmos de boa saúde, formos, se possível, atletas e nos contentarmos com luzes feéricas, do tempo das titias, e calçadas lusitanas. E os casais? Idosos e jovens andam, paqueram, saboreiam a cidade? Ou isso é privilégio de turistas sentados em ônibus especiais?
Curitiba já foi governada por pessoas competentes e capazes de lhe dar fama. A cidade conquistou pontos priorizando o transporte coletivo urbano. Aniquilou com os sapos, que lhe deram o apelido de “cidade dos sapos” (Tourinho, 1986), canalizando riachos e córregos. Cobriu fundos de vale até com um estádio de futebol. As avenidas apareceram, ainda que interrompidas por imóveis inexplicáveis. Fez praças e jardins, plantaram tantas árvores nelas que agora temos medo de chegar perto. Lugares de lazer, grandes praças onde de um lado enxergava-se quem passava do outro, agora exigem policiamento especial.
Mas Curitiba melhorou acrescentando lugares que lhe permitem lazeres noturnos, entre paredes e com seguranças próximos. Ganhou muitos shoppings centers, cidades mais do que fechadas, polos de atração de trânsito e que, por isso mesmo, enfrentaram resistência de urbanistas mais atentos. Foram assumidos compromissos, amenizados pelo esquecimento ou ações pouco eficazes diante dos problemas que causaram.
Perdemos os shoppings contínuos, abertos. Não temos lugares para caminhar, descansar, tomar uma cerveja e continuar caminhando, vendo alternadamente lojas, praças, monumentos, bares etc. Cuidaram da iluminação das ruas, não das calçadas. E temos árvores gigantescas. Aos poucos a Natureza se encarrega de derrubá-las, deixando uma parte da cidade no escuro. Assim também tropeçamos ou somos obrigados a escolher o outro lado da rua, talvez caminhável.
ONGs, Leis e protestos, nada comove a administração da cidade a assumir a construção e manutenção de todos os passeios da capital. Esses lugares são de responsabilidade do proprietário do imóvel, ainda que sob e sobre esses circuitos, que deveriam ser dos pedestres, sirvam para todas as concessionárias e a PMC, dificilmente para quem deseje andar pela “capital ecológica”, como um indivíduo fez questão de dizer num email que me mandou.
Só falta perguntar, ecológica para quem? Que tipo de animais? Onde?
Curitiba precisa retomar a vida, se não para os sapos, pelo menos para os que desejam conhecê-la em detalhes andando. Esse é um desafio que poderá ser a grande marca de qualquer prefeito disposto a corrigir equívocos, que só quem anda conhece. Essa é uma condição para idosos, por exemplo, sem condições de disputar espaços com motoristas jovens e apressados.
Queremos mais calçadões, calçadas seguras, acessibilidade, mobilidade e critérios mais humanos de crescimento da capital do Paraná.

Cascaes
1.3.2011
Tourinho, L. C. (1986). Toiro Passante II - Tempo de Província. Curitiba: Lítero - Técnica.

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