Transporte interestadual
Viajar está se tornando um suplício no Brasil. Estradas, rodoviárias e aeroportos saturados e o desconforto adicional dentro de aviões, sob concessionárias mais e mais desinteressadas em atender bem o passageiro, fazem das viagens um problema a se pensar muito. O pesadelo é infinitamente maior para pessoas idosas, com deficiência(s), com doenças debilitantes ou, simplesmente, para aqueles que desejam saber, pelo menos, a hora de chegada a determinado lugar. O sentimento de insegurança e os riscos de se adquirir alguma doença, lesão, trauma permanente não são pequenos. Não é problema para nossas autoridades maiores, elas até alugam helicópteros em emergência, o cidadão comum, entretanto, depende exclusivamente dos seus recursos para qualquer tipo de deslocamento, principalmente entre estados e cidades mais distantes.
Há muito tempo carecemos de um plano completo de transportes. Talvez, diante da multiplicação espantosa de ministérios, secretarias, agências etc. falte uma coordenação enérgica e competente. O discurso é “pedagiar” estradas, feito até pelo Governo numa confissão acintosa de sua incapacidade de administrar seus cabos eleitorais colocados em cargos estratégicos, em funções importantes e desperdiçadas nos agradinhos políticos.
O Brasil saiu, após algumas décadas, do suplício da debacle financeira iniciada na década de setenta do século passado, doença que explodiu no meio dos anos oitenta. Foi tempo demais sem recursos para a implementação de projetos importantes e nossos credores mandaram (a sensação é a de que ainda mandam) e desmandaram por aqui.
Agora, felizmente, parece que estamos saindo do sufoco. Graças a exportações de tudo o que podemos vender (causando inflação em nosso país que o Banco Central “inteligentemente” combate com o aumento dos juros) temos divisas e os desastres estrangeiros apontam o Brasil como uma boa hipótese de investimentos.
A abundância de dólares excita a indústria estrangeira, os nossos empreiteiros e lobistas, querem vender e trocar essas divisas por espelhinhos modernos, coisas faustosas de caríssimas. Procuram vender para os antigos “índios” desde vinhos sofisticados até trens feitos por eles, obviamente. Com certeza comprar e vender faz parte da lógica desenvolvimentista. A questão é discernir com objetividade entre fantasias, caprichos e necessidades reais.
O que fazer? Usinas nucleares? Trens de alta velocidade? Pontes monumentais? Metrôs? Comprar aviões? Melhorar a ligação com países vizinhos?
Precisamos de serenidade e cautela. É difícil conquistar respeitabilidade, principalmente quando, como já vimos diversas vezes, a tolerância contra o Brasil é zero diante de fracassos monumentais, alguns até esquecidos em livros de história antigos.
Vale a pena tomar um exemplo como estudo de caso.
Faz sentido um trem de alta velocidade? Para quê? Grandes executivos no Brasil usam seus aviões e helicópteros particulares, e nós, o que pretendemos? Chegar uma hora antes para tomar uma boa caipirinha?
Era bom viajar pela Europa nos tempos dos trens de média velocidade. Podia-se admirar a paisagem, ouvir os apitos do trem, curtir suas paradas, sentir mais um continente que é a origem de muitos brasileiros. E agora? O aspecto fascinante dos TGVs (e similares) é vê-los, do lado de fora, entrando e saindo das estações. Dentro, o layout é bonito, mas a velocidade máxima, quando possível, simplesmente não é importante a ponto de justificar custos adicionais. Pior ainda, as viagens ficaram monótonas.
Precisamos pensar muito antes de gastar o que viermos a obter exportando alimentos, petróleo, madeira e coisas assim, pois nossa indústria, quando nossa, sob competição feroz, vende menos do que devia. Afinal não criamos aqui a base que eles têm a partir de antigas estatais e encomendas que foram a base de guerras sem fim. Aliás, vale a pena ler com atenção o livro “História da Riqueza do Homem” de Leo Huberman e ver como ao longo dos tempos o povo era realmente bucha de canhão, autômatos em plantações e fábricas, material de consumo, etc.
O nosso TAV (Ministério dos Transportes e ANTT) entre Campinas e Rio de Janeiro deverá, orçamento inicial, custar algo em torno de 32 bilhões de reais, para quê? Não seria melhor “baixar a bola”, isto é, querer uma velocidade menor e um trajeto maior?
Precisamos de tudo, sem dúvida as ferrovias serão uma opção simpática e oportuníssima de viagens que estão cada vez piores.
Nos grandes rios e pelo litoral do Brasil o transporte hidroviário poderá ser outra forma explorável.
Temos um país bonito demais para se ter pressa. Se a desculpa é “viagens a serviço” devemos oferecer infovias e melhores padrões de comunicação, afinal existe meio menos poluente do que isso para se fazer reuniões nem sempre úteis?
Não podemos ser irresponsáveis, desinteligentes e pouco atentos ao que se pretende fazer.
Já pagamos muito caro por descuidos colossais.
Cascaes
9.4.2011
Ministério dos Transportes e ANTT. (s.d.). Estudos de Viabilidade - TAV. Acesso em 23 de 1 de 2011, disponível em TAV Brasil - trem de alta velocidade: http://www.tavbrasil.gov.br/
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